sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Crônicas cotidianas... Ou o ladrão de poesias...


Uma tarde de sol numa rua paralela à rua do mar, lá ia Lôla dirigindo, tranquila, em direção a um tal de mini-sarau com adolescentes de algumas escolas públicas de um tal Estado. Apesar de alguma pressa,  o sinal vermelho a obrigou a parar e dar passagem aos pedestres. Ainda distraída, pensando em coisas do seu cotidiano, mas atenta no mudar das cores do semáforo, Lôla foi abruptamente acordada da sua introspecção com um enorme barulho, em frações de segundos se deu conta da janela quebrada no seu carro e imediatamente gritou. Tudo aconteceu tão ao mesmo tempo, que dificilmente se contaria os poucos milésimos de segundos entre uma ação e outra. O ladrão tinha que agir rápido: enfiou o braço com toda força e tocou na caixa que repousava no banco da frente do carro. Lôla gritou, ainda processando pouco o acontecimento: "-É apenas uma caixa! - São poesias!" Isso dito, não afetou o desejo do ladrão pela caixa, e que sejam poesias, o importante é o roubo !

A luz verde iluminou os olhos de Lôla, imediatamente ela deu partida no carro, o corpo do ladrão foi deixado para trás, mas a sua mão ainda ajudou a tampa da caixa a se aproveitar da situação e abri-se para derramar poesias por todo o carro, a janela aberta fez com que elas bailassem da frente ao fundo do veículo. Elas estavam livres, e poesias em liberdade ninguém segura. Quem mandou Lili trancá-las na caixa e colocá-las para passear com Lôla? Estavam, por força do roubo, soltas, eram palavras ao vento, farfalhantes e contentes, e na sua alegria de liberdade fizeram barulho o quanto puderam. Doces e peraltas as tais poesias, e ainda não estando na cena, eu poderia jurar que estavam felizes com o inesperado assalto. Foi a festa, festa das palavras e frases de métricas, rimas, sensações... Teria ficado alguma poesia nas mãos do ladrão?  Teria ele percebido o tamanho do seu roubo? Teria uma das poesias voado para fora e caído nas mãos de alguém que precisava ouvir certas palavras naquele momento? Teria o ladrão se encantado com a poesia que a sua mão sorteou? Estaria ele de mãos vazias? Ladrão que rouba poesia, quem diria? 

Chegando ao local do tal do sarau, uma Lôla ainda assustada e uma Lili preocupada, recolheram as safadinhas buliçosas e as encaixotaram de novo (para logo mais serem libertadas e declamadas pelos adolescentes). Eis uma de muitas verdades: poesia tem vontade própria e aí de quem as segure (ou tente deixá-las tranquilas nas caixas, mofadas em livros, trancadas em gavetas - Poesias não são tranquilas! Não se iludam com sua forma por vezes serena e doce, por vezes ingênua, no enviesamento das palavras, nas metáforas, nas metonímias... poesias são palavras intranquilas que querem ser lidas, compartilhadas, partidas, repetidas... querem estar vivas)

Mas a vida sempre retoma o seu trânsito normal: o mini-sarau chegou ao seu fim, Lôla devolveu a caixa de poesias de Lili, se recuperou do susto da invasão de seu veículo, consertou a janela do carro... Mas, dizem por aí, que algumas letras que se soltaram das poesias voadoras que descansavam na caixa colorida, passeiam sorrateiras e felizes pelo carro de Lôla à espera de alguém que as transformem em outras poesias...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Crônicas cotidianas... Ou sobre mocinhos-bandidos e o sexo na cidade


   O burburinho do lugar era maior que o calor daquele início de tarde de sol e céu claro no Mercado Central de São Paulo. Resolvemos almoçar o sanduíche de mortadela que Gabi tanto nos falou enquanto fazíamos a programação dos quatro intensos dias na capital paulista.
   Ao que parece, parte da cidade teve a mesma idéia e achar uma mesa para o lunch foi tarefa das mais desagradáveis: com olhar de cachorro faminto, observamos e rondamos as mesas de pessoas que aparentemente estavam prestes a terminar suas refeições. Por vezes mais de um grupo rondava a mesma mesa. O mercado, essa hora, tem essa dinâmica, me afirmou uma assídua frequentadora, e todos já estão acostumados a comer com alguém te olhando e querendo o seu lugar e a ficar rondando mesa alheia... Nem esperam que as pessoas saiam, já sentam e garantem o seu lugar ao sol, ou melhor, à mesa!
   Meia hora de "caça" e sentamos para degustar o sanduíche, o cansaço nos deixou sem fala, até que de repente Lu rasga o vazio com uma voz de revolta: Galera, vocês não sabem o que eu estou ouvindo aqui!!! Não tô nem acreditando!! A curiosidade das três mulheres à mesa ficou aguçada... Ela faz ar de revolta e encorpa a voz para denunciar a conversa, inevitavelmente ouvida, e vinda da mesa ao lado onde três homens de quarenta, ou para mais disso, conversam ao sabor do chope: "-Mulher a gente tem que tratar bem para poder enfiar gostoso!" A frase dita por Lu nos deixa com a mesma cara de revolta que a dela, misturada a uma cara de "não acredito que eles tão conversando isso aqui no mercado nessas mesas coladinhas"... Seria exagerada a nossa censura? A conversa sobre sexo e mulher nos fez discutir sobre as condições das mulheres solteiras e dos homens cretinos que elas têm que aguentar por falta de homens gentis no mercado dos relacionamentos. Esses tipos do lado, certamente não seriam menos cretinos que os que nós conhecíamos, e nesse vasto mundo há muitos que não são Raimundos* e ainda os que são, não passariam de uma rima e, certamente, não seriam uma solução para as frases bárbaras que as solteiras tem que ouvir em seus encontros amorosos. Cansada desse tema sem fim, já não queria mais saber sobre a conversa desses rapazes, que tomem seus chopes e conversem sobre o que bem entenderem, não temos nada a ver com isso mesmo.
   A mudança de conversa só durou alguns segundos, pois Lu, colada inevitavelmente na mesa dos rapazes, se enfureceu mais uma vez: Gente, tem dó, agora eles estão falando das esposas e o cara tem coragem de dizer "que a Lu demora muito de gozar"... Eu não demoro não!!! Rimos muito! Agora Lu ficou sensibilizada com a sua homônima (ao menos no apelido) e resolveu tomar partido da história. Mais uma vez retomamos a conversa sobre sexo e as mulheres, dessa vez com ênfase sobre homens casados e cretinos (esses se proliferam tal qual gremlins**), pensamos em como Lu se sentiria sabendo das confissões públicas de seu marido (talvez nem sentisse nada). O fato é que enquanto nos divertíamos com a vida privada que se tornava pública, três esposas, com seus cabelos compridos e bem tratados, jovens, bonitas, em roupas harmonizadas sentavam à mesa. De dentro dos sacos vimos surgir uma girafa engraçada de pelúcia, roupinha de criança, um utensílio doméstico. As doces esposas mostravam suas compras aos maridos carinhosos e atenciosos que passaram seu tempo a esperá-las no Mercado Central.
   Olhamos uma para as outras, curiosas por saber:  quem era a Lu? Não tivemos sucesso na busca. Mas a nossa Lu ainda está engasgada para dizer a Lu esposa que quando ela estiver transando com seu marido pense em outro que ela consegue gozar mais rápido, pois pela cara e fala dele devia ser realmente difícil chegar ao ápice do prazer! Rimos pensando em tal cena, enquanto terminávamos o imenso sanduiche e nos deixávamos entreter pela preguiça morna do pós-lunch.
   Mas para turistas, todo tempo é precioso para andar pela cidade... Batemos em retirada e deixamos espaço para os outros caçadores de mesa do local. Quanto a mesa do lado? Começaram a chegar os sogros e sogras, mães e pais e nós partimos antes que as crianças pudessem aparecer por ali também... Infelizmente, o problema do gozo da Lu vai ficar para uma outra oportunidade, por hora, a mesa se enche de histórias e relatos sobre as compras do mercado, os casais estão felizes em mais uma tarde juntos e bem casados. Quem sabe seja esse cinismo nas relações que mantenha tantos casais juntos? E quem sabe se a Lu não é feliz em seu gozo tardio? E quem sabe o marido dela não aprende um dia a entendê-la? As horas giram, as mesas giram, gira o dia, giramos nós pelas escadas e caímos nas ruas do centro de Sampa com mais histórias para lembrar...


*Referência ao poema Poema de sete faces de Carlos Drummond de Andrade 
** Gremlins - filme estadunidense em que uma criaturinha fofinha, uma vez molhada, se multiplicava em muitas criaturinhas malvadas.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Can't take my eyes off of you*



Ela ouviu a canção com certa melancolia... You're just to good to be true / can't take my eyes off of you...    Ela sorriu com a mais calma tristeza... Quando tudo é muito bom para ser verdade, é porque não é, não é mesmo? ... You'd be like heaven to touch / I wanna hold you so much / At long last love has arrived / And I thank God for alive... Tudo é lindo demais para ser verdade, e, lindo demais, vem sempre com as palavras: estranho demais... Mas quem disse que ela conseguia tirar os olhos dele? Mas desde quando ela acreditava em contos de fadas?
Dois martinis, um cigarro, a paisagem ia se desvanecendo... Uma cerveja, ela ri sem graça, essa era a cerveja que ele gostava... os olhos molhados a denunciavam... ela o amava? Em segundos tudo rodava em volta dela, e tudo rodava dentro dela... Quem era ela?... Onde ele estava?... Pardon the way that I stare / There's nothing else to compare / The sight of you leaves me weak / There are no words left to speak... Ela não falou,  ela não quis falar metade das palavras que teria para dizer a ele... Por um segundo, achou tê-lo visto ao longe... Talvez não... Será que ele ainda sentia a mesma coisa? Ela nunca poderia saber, a única certeza  é que  sua mente não conseguia tirar os olhos dele... E isso era até engraçado, embaraçoso, mas engraçado...  Mas eram mesmo as lembranças que seguiam embaraçadas...
Será isso a paixão? Resolveu seguir a canção... I love you baby and if it's quite all right / I need you baby to warm the lonely nights / I love you baby trust in me when I say... Ela olhou bem para dentro dela, em um desses momentos de mais pura lucidez e sabia que continuaria passando suas noites solitárias em sua própria companhia... Ela acreditou nele quando ele disse I love you baby, mas onde estava o  amor? No devaneio louco dos solitários, entendeu que não poderia esquecê-lo... E entendeu também que ninguém além dela o criou em sua imaginação, ele era apenas produto de uma insana solidão... And let me love you baby, let me love you...
Ela terminou a cerveja, e voltou para os afazeres de sua vida... E a trilha sonora daquele momento continuava em seu pensamento... can't take my eyes of off you...

*Música de Frankie Valle and The four seasons
  Foto: Detalhe de O girassol de Van Gogh - Metroplitan Museum New York

Uma vez bandeirante... Sempre bandeirante...



As 15 anos me inscrevi no Movimento Bandeirante, pois amava a possibilidade de usar as meias que iam até o joelho! Desejo não satisfeito, pois grupos que funcionam em cidades tão quentes usam a meia soquete...  Argh! Que desilusão! Mas nem por isso desisti... Passei muitos anos da minha vida envolvida com o movimento, participando de um grupo de adolescentes, coordenando, por anos, um grupo de adolescentes! Hoje, distante, me pego lembrando o 'dia do pensamento' nesse 13 de agosto! Ora, uma vez bandeirante, sempre bandeirante!! Sempre ouvi essa frase e achei que estivesse bem distante de mim, mal sabia que um dia seria umas dessas pessoas com saudades de alguns tempos felizes!
O fato é que depois de certos anos, somos levados a pensar nas coisas boas que nos acontecem quando participamos de tais coisas, e deixamos as coisas de gosto ácido e amargo em um cantinho que não deve ser resgatado pelas lembranças em estado puro. Então, nesse Dia do Pensamento, dia em que estou distante, me lembro dos fogos de conselho, das promessas feitas em redor do fogo, das histórias inventadas e das que aconteciam naquele espaço de comunhão. Fogo, elemento vivo que aquece os corações e cria simbolismos vários... Quantas paixões em volta do fogo? Quantas canções? Quantas descobertas de novos sabores e formas de vida... O fogo, esse elemento exótico que marca uns dos avanços de nossa existência para a vida nômade e sobrevivência, me deixa hoje marcas de saudades boas, que me embalam e me fazem pensar em quem sou pelo que eu vivi em sua volta!

Semper Parata!! (pois uma vez bandeirante, sempre bandeirante!)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Curta história de um romance que se delineia com o sete...


 Ela teve uma festa de aniversário de sete anos, um bolo gostoso e poucos amigos, parabéns com velinha a apagar. Ele nasceu no outro dia, chorava muito e era vermelho como todos os bebês que acabam de vir ao mundo. Ela tinha terminado a alfabetização e ia para um novo colégio. Ele era o mais novo de uma família de três mulheres. Eles tinham nascido na primavera...
Cresceram na mesma cidade, mas nunca se encontraram, cada um seguiu seu rumo em diferentes décadas de descobertas infanto-juvenis. Ela lia livros nas horas vagas. Ele vivia a trocar de camisas para ir às festas. Ela entrou na faculdade. Ele sempre tentava arranjar um jeito de sair da escola. Ela não faltava às aulas. Ele faltava aulas para jogar futebol. Ela namorou pouco. Ele namorou muito.  Ela era paquerada por homens mais velhos. Ele paquerava mulheres mais velhas. Ela conhecia a vida na teoria. Ele conhecia a vida na prática. Ela é sentimentalmente prática. Ele é sentimentalmente romântico. Ela fez uma dissertação. Ele fez um filho. Eles moraram quatro anos com alguém, eles se separaram de alguem, eles prosseguiram felizes com suas vidas...
No inevitável que sempre se esconde pelos dias que passam,  eles se encontraram num mês sete de um ano maior que isso, era verão acima da linha do equador. Ela passou sete dias na cidade. Ele  mora na cidade vizinha. Nesse dia, que passou de sete em data, mas que era sete na posição dos dias da semana, eles saíram para dançar. Ela deixou a cabeça no seu ombro. Ele segurou sua cintura. Ele a beijou. Ela correspondeu ao beijo. Ela não tinha os pés no chão. Ele tinha a cabeça nas nuvens. Eles descobriram, aos poucos, que havia uma primavera dentro deles enquanto bailavam como um casal de quase desconhecidos, mas já apaixonados.
A noite teimou em terminar. O dia chegou azul. Domingo de sol é dia de churrasco ou praia.  Domingo também termina depois de longos passeios. Domingo vem depois do sétimo dia da semana. Domingo é o primeiro dia da semana, mas pode ser o último dia de um encontro ou de uma viagem. Nas segundas-feiras muitas pessoas estão no aeroporto, muitos vôos partem levando pessoas para longe, para perto, separando e juntando casais apaixonados, amigos,  pais e mães e filhos, homens e mulheres de negócios. Aviões podem ser mágicos, pontes, abismos, espaços de convivência, aviões podem quase tudo. E eles? Eles criaram um romance no mundo mais terno de suas fantasias...

Nota: Picture:  sculpture at The Metropolitam Museum of Art - New York - EUA

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Viagens... lugares... - Visita ao Pouso da Palavra - Cachoeira - Bahia - Brasil



Ir ao espaço cultural "Pouso da Palavra", ainda que sem o dono das palavras pousadas por ali, soou como um encontro com as poesias que por ali voavam (ou pousavam - não é possível saber ao certo se pousam ou se voam... há um movimento contínuo de voos e pousos e pousos e voos e assim as letras seguem a brincar com quem aí está). 

A casa amarela (como a flor de Arabela)* continha um poeta, ou talvez , o poeta continha uma casa amarela... disso também não se sabe... O certo é que era ali uma das moradas do poeta Damário da Cruz. A casa  localizada em Cachoeira e que não poderia ter melhor localização: de costas para o rio (uma quadra), em frente à praça do fórum, vê a vida desfilar frente à sua porta! 

Na ausência prematura do poeta (não seriam eternos, os poetas?), as coisas estão intactas, no escritório, o telefone continua fora do gancho... As fotos  e as poesias espalhadas pela casa fazem troça, fazem carinho, fazem alegria, fazem o riso, a ânsia, o desejo, o festejo, a surpresa para quem passa por eles... Uma frase, um olhar, uma imagem... a casa é um convite para recitar, ainda que baixinho, palavras-poesias... Transito entre santos e orixás, santa e revólver,  radiola e cd, o moderno e o antigo, o sagrado e o profano, o mar e a cidade,  a luz e penumbra se equilibram no pequeno espaço...  O sol se adona da entrada da porta... Cosme e Damião saboreiam com olhar feliz suas guloseimas... São Jorge no meio da sala lança seu olhar por todos os lados...  Salve Jorge!... O jardim verdejante esconde surpresas! A chuva torna as cores mais vivas... Meu pé molhado festeja a descoberta dos objetos escondidos pelo caminho... Os olhos buscam os sem fins de detalhes que a casa esconde... Por entre as coisas que nos rodeiam, algumas traz saudades de infância: um taximetro, disco vinil, calendário antigo.... A casa é caixa de surpresa (e caixa de poesia)...

Saimos, eu, Licinha, Regi, Dôra, Rose, Raquel e Ana como visitas que acabaram de estar com velho (ou novo) amigo! Tem-se a certeza de que há um centro de cultura cada vez mais a se fincar, e a tristeza de que no momento a vida poética está suspensa no ar... Que caminho esse pássaro tomará? Quem sabe Arabela possa regar tal qual a flor, a casa de mesma cor? Mas se "Cada pássaro sabe a rota do retorno / Cada pássaro sabe a rota de si / Cada pássaro na rota sabe-se pássaro" a casa sabe muito bem para onde ir...

E nós fomos embora encantadas com tantas palavras pousadas, com  tantas imagens capturadas, com tanta presença do poeta no Pouso onde a imaginação voa...

E com o "Gran Finale", que se estende pela fachada da casa e brinca ao vento, Damário nos deixa sua breve despedida da vida ("que só vale a vida"):

Avise aos amigos
Que preparo o
último verso

A vida dura
menos que um poema

E no alvorecer mais próximo
Saio de cena

Sim, ele saiu de cena, mas o cenário do poeta continua ali, em Cachoeira, quase como se nada tivesse acontecido (não fosse o vazio na mesa de trabalho e o silêncio no lugar)... já não falei que os poetas são eternos?!


*Refiro-me ao poema Flor Amarela de Cecília Meireles

domingo, 1 de agosto de 2010

A Cuca vai pegar: Crônicas de vendas ou sobre o problema dos débitos e créditos...

Carteira de estudante e cartão do banco nas mãos, depois de muitos minutos na fila do cinema, enfim consigo chegar ao momento da compra minutos antes do inicio do filme...
-Boa tarde, você me dá um ingresso de meia-entrada para o filme "tal", na sessão hs:hs, e eu vou pagar no cartão de DËBITO!?
- Desculpe senhora, não entendi?!
-Um ingresso de meia-entrada para o filme "tal", na sessão hs:hs, vou pagar com cartão de DËBITO
-Ah
Uns três toques no teclado e ele me pergunta:
-Senhora a compra vai ser no DËBITO ou no CRËDITO
Nesse momento cai por terra a minha certeza de que quando falo cartão de DËBITO, significa DËBITO! Três anos num curso de contabilidade e as certezas vão embora em segundos... A cuca pegou!...Tento manter distante um ar de ranzinza que chega nesse exato momento, olho sem graça, tento um sorriso e repito pela terceira vez, forçando mais os lábios:
- No DËBITO!

Viagens... lugares... - Os primeiros minutos naquele lugar... - Aeroporto JFK de NY - Estados Unidos da América


       
     Tan tan ranran ran... tantanranranran... tatatatataratata... New York... New York!!!!!!! O que fazer quando Frank Sinatra não sai da cabeça? Cantarolar!! Assim, desci do avião com mochila e malinha de rodinha rodopiando e cantando a música que anunciava uma chegada em cidade tão esperada!! Sim! Espalhem a notícia, eu estou chegando na cidade que nunca dorme!!!

Ali mesmo no JFK fui me perdendo por entre as pinturas das suas paredes que mostravam a cidade nas várias percepções dos artistas... E eu com uma felicidade incontida de estar na cidade em que eu só vivia pelos filmes, bebia as suas cores, sabores, odores, filtrava as pessoas, as estruturas, os aviões: eu queria registrar tudo com meus olhos bem abertos e contentes!... O trajeto até o resto da bagagem é longo, eu não ligo, quero ficar ali perambulando pelo aeroporto antes de ver a cidade... O aeroporto sempre nos traz a primeira impressão da cidade, ainda que seja sempre uma estrutura próxima de qualquer outro aeroporto de qualquer cidade, mas ao mesmo tempo cada um imprime seu charme e suas particularidades, o que o fazem ter personalidade...

O sobrinho de Marynha já nos aguardava e rapidamente nos levou para fora, e no trajeto de mais de meia hora até o hotel pude, gradativamente, chegar à cidade. Meus olhos não podiam conter o riso de saber que aquele era o meu filme. E foi isso NY do início a fim: um filme!  Romance, aventura, drama, comédia, ação... Foram muitos os gêneros vividos...  E se NY é uma grande maçã, posso dizer que a mordi com vontade, e pude aproveitar do seu caldo suculento e doce nos sete dias em que ali estive!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Viagens... lugares... - Inconfidente em Ouro Preto - Minas Gerais - Brasil



Era janeiro, mas senti frio, a chuva caía noite afora deixando a névoa como presente para o amanhecer dos olhos e da cidade. Levei muito tempo salivando pelo momento de caminhar por onde muitos artistas que tenho afeto caminharam. De repente, estava ali com os sonhos que insistiam em gritar, o ônibus chegou tranquilo, do trajeto desde Juiz de Fora, fui traçando o caminho da Estrada Real e seus marcos que perpetuam a história da trilha. A placa com indicação de Itabira me perturbou, e Carlos suavemente preencheu meu pensamento de poesia. Não será dessa vez meu caro poeta que conhecerei sua terra tão apaixonadamente escrita e descrita por você. Isso me dói.

Mas a meta agora era outra, a parada era em outra promessa de tenra juventude, e assim, chego à cidade desejada: Ouro Preto saía do papel e se materializava em minha frente. Tive alegria ao caminhar pelas ruas e ladeiras, olhar emocionada as suas igrejas, museus, construções grandes, imperiosas. Tudo era motivo de encanto: sair nas ruas era motivo de penetrar na história que eu acredito ainda estar ali, entranhada nas pedras pontiagudas das ruas. Caminhando sozinha pela noite, com lenço na cabeça para me proteger da chuva fina e frio, desci ladeiras e passeei por ruas vazias sendo escondida pela penumbra noturna, me senti uma inconfidente nas ruas de Ouro Preto. Ali, evoquei a força e amor de Marília e de Dirceu, a rebeldia e coragem de Joaquim José da Silva Xavier, a arte sublime de Antônio Francisco Lisboa... Pude sentir cada um deles e dos outros que andavam com eles. Entrar em cada casa da história de Minas, da história do Brasil, me fez sentir mais e mais presa a elas. Quatro dias de inconfidente e confidente de uma história de amor antiga: a adolescência sonhando com os versos de Dirceu, da juventude perdida nas formas barroca. Sim Dirceu, é certo que em relação a Ouro Preto, assim como na tão amada Marília, "em seu semblante / as graças moram...". Os chocolates acalentavam o frio e as pernas doloridas das ladeiras subidas. Fui embora no quarto dia, embriagada de inocentes sentidos resgatados de minha história, hora perdidos no caminho do presente, mas que ali, insistiam em me atirar no sonho que se concretizava.

E pedindo a Dirceu mais palavras, pois as minhas perdi pela paixão de ali estar, só posso dizer que  "Hoje em suspiros / o canto mudo: / Assim. Marília./ Se acaba tudo!"

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Viagens... lugares... - Amanhecer na Asa Norte - Brasília - Brasil


Acordando em Brasília, encharcada de cor-de-rosa, alaranjados e alguns azuis. Lembrei do meu pé na terra vermelha enquanto caminhava pelas ruas da cidade... Brasília tem tom quente do início ao fim do dia. No Rio Paranoá o dourado da luz se aninha, morada de minutos, tranquilo... Permito me perder pela imagem, início de dia assim é presente que se recebe com largo sorriso. Respiro e me sinto conectado a tudo! Me permito evocar Carlos, meu caríssimo poeta de todas as horas, e dizer entre suspiros: "Eita vida besta meu deus..."

sábado, 3 de abril de 2010

Viagens... lugares... - Malecon - Havana - Cuba

      
A noite cai aos poucos, é inverno, mas não se nota... o céu azul vai tomando os tons de rosa para si. Passeio com minha máquina fotográfica na ânsia de capturar todos os momentos possíveis,  a Avenida Malecon está cheia de pessoas, casais, crianças e pais, cubanos e turistas, todos passeiam ao seu pôr-do-sol. De repente, uma música vem de dentro de uma casa bonita, um conservatório? Não sei, mas a entrada é gratuita... É o final da apresentação e como se adivinhassem começam a tocar uma música brasileira: bossa nova! Me sinto distante, me sinto em casa, me sinto ali... A orquestra termina de tocar...

Saio por entre as pessoas que estavam na apresentação, volto ao Malecon, a noite, enfim, escureceu. Continuo o passeio pela velha Havana, com as casas antigas a me espreitar pela esquerda e o Malecon a me refrescar pela direita, só se sabe que é inverno por causa do mar agitado e de certo tom frio no vento... brinco de pega-pega com as ondas que escapam do muro... Há dias em que elas podem ser bastante violentas, banham as ruas da cidade... Do outro lado, casas mal conservadas apresentam seu charme, a cidade é romântica, é exótica, é poética, é melodiosa e é tudo ao mesmo tempo. 

O hotel é em frente ao Malecon e do quarto posso ver seu movimento, posso acordar com sua música e ver seus pescadores se jogarem ao acaso: seria dia de peixe? Vejo ao longe a alegria se espalhar pelas charretes que passam pela Avenida, pelos casais que andam de mãos dadas, pelos pais que passeiam com seus filhos,  pelos turistas que visitam Havana pela primeira, segunda, terceira ou mais vezes, e vejo a alegria se espalhar pela aprendiz de fotógrafa que tenta apreender na tela o fugaz...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Cuca vai pegar: Crônicas do funcionalismo público II ou da Burra Cracia

Levei dois anos e meio para entregar a dissertação e dar entrada no diploma. Eu sei, isso é lamentável, assumo a ação terrível que é esse atraso! Mas então, os tais escritos ficaram, nas férias, esperando a reunião de colegiado, uma vez aceito, subiu para a Secretária G., para assim começar o processo de confecção do papelzinho que atestará a minha maestria (a questão é que em alguns lugares o tal do papel é mais importante que a competência...).
Um dia, estava tranquila em casa e recebi o telefonema da funcionária da Secretaria G. dizendo que havia um problema no meu processo e eu prontamente fui tentar entender e resolver. O prédio da Secretária G. é novíssimo, cheio de vidros espelhados, numa arquitetura antiga. Escolheram bem a cor e as formas e eu estava mesmo querendo entrar para ver como estavam as coisas por dentro... 

A simpática funcionária do setor de pós me explicou tintin por tintin a questão: é que eu passei um semestre a mais que o permitido e teria que, dois anos e meio depois e com todos os requisitos cumpridos, pedir a Câmara de... para aceitar a dilatação do prazo máximo regulamentar do tal do curso... Ufa...  Era algo aparentemente simples... Então vamos lá, saí por uma porta entrei em outra , ou seja, o setor de protocolo , para dar entrada na solicitação e anexar os mil papéis no processo... Senha 82... Ah, tá, está no 53... Sai, atravessei a rua, tirei xerox de outros documentos, subi as escadas e dei entrada no meu diploma de especialização depois de ter esperado mais três pessoas serem atendidas... Voltei pro Protocolo... Ah tá, faltam 15 pessoas... Sentar e esperar... esperar... esperar...

"Tantan" Aparece luminoso o número 82, é a minha vez... Explico o caso para a funcionária, em todos os detalhes...

- Eu não sei resolver isso não, vou passar para Liliana pois ela deve saber resolver, ela trabalhou com esses assuntos de pós-graduação...

Fui para Liliana, contei mais uma vez o que aconteceu e digo que tenho que fazer a solicitação à CÂMARA DE...

-Já estou vendo que tem mais um caso aqui para resolver, esses outros dois semestres têm que ser julgados pela pós-graduação da Faculdade de...

Olho os dois semestres e vejo que está lá, todo certinho, explico que isso já passou pela pós-graduação, que isso já está certo e que eu preciso, conforme disse a funcionária da pós-graduação, da faculdade de... e do setor de pós-graduação desta Secretaria G., ENCAMINHAR PARA A CÂMARA DE... Ela preenche rápido os papéis, do canto do olho eu vejo ela selecionar: FACULDADE DE ... Ai meu Deus!!!

-Pronto, esse é o número do processo e você pode acompanhar pelo site...

-Ahhh obrigada, você colocou para que seja encaminhada para a CÂMARA DE..., não foi????

-(ela respira) Claro que não, tem que ir para a Faculdade de..., ela que vai julgar e então o processo volta para o setor de pós-graduação...

-Senhora, a pós-graduação da Faculdade de... já julgou, enviou aqui para a Secretaria G., e a funcionária da Secretaria G. que cuida dos assuntos de pós-graduação, me disse que eu tenho que enviar para a CÂMARA DE... até a funcionária da pós da Faculdade de... me disse que o processo ia ter que passar pela CÂMARA DE... por conta da matrícula desse referido ano!

-OLHE SÓ, A FUNCIONÁRIA DAQUI DA SECRETARIA G., DO SETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO, CUIDA APENAS DO REGISTRO... ELA NÃO SABE DESSES ENCAMINHAMENTOS!! NÃO É MESMO??? 

-Eu não sei...  só sei o que ela me disse...

-COMO NÃO SABE?????????? VOCÊ NÃO FALOU COM ELAAAAA????

Restou-me respirar fundo com aquelas informações, pensei bem: Ela sabe que ela tem o poder pois está com meu processo em mãos e vai mandar para onde ela bem quiser e achar bonito, e é a única que aparentemente resolve as questões de pós-graduação nesse setor.. Olha só, levei dois anos e meio para dar entrada nisso, se o processo vai passear mais por conta da estreiteza mental, nesse determinado assunto, da funcionária em questão, que seja assim então! Eu é que não vou dar atenção a quem quer ter poder, comigo não!! Quer botar o processo para passear? Que coloque...

-Muito obrigada viu Dona Liliane... tchau... (seguido, claro, de um sorriso cínico...)

Fui ao setor de Pós, contei o ocorrido, fui na pós da Faculdade de... e relatei o fato, disseram para que eu não me preocupasse, assim que chegar elas pensarão: quem enviou esse processo para o lugar errado? E encaminharão imediatamente para a Câmara de...  (Na verdade quando chegou teve que esperar para passar mais uma vez pela reunião de colegiado da Pós de..., que acontece uma vez no mês - e a última tinha acontecido quatro dias atrás - até que entenderam que tinham que encaminhar para a Câmara de... pois eles não podiam resolver aquela questão...) É, rapadura é doce mas não é mole não, mestrado é a mesma coisa...

No final percebi que o tal do prédio novíssimooooo, de vidros espelhados, continuava com alguns funcionários que ainda acham que funcionário público tem que dificultar a vida do outro o máximo que puder e ainda quer ter o "poder", ainda que pequeno, por vezes, em suas mãos, para machucar o outro... Vá de retro!!!!... Com alguns funcionários e estruturas poderíamos ter uma universidade pra lá de nova... mas... tsc tsc... Fico apenas pensando se adianta a universidade ser nova, a viola ser bela, e o pensamento e a forma de encaminhar as questões ainda serem bolorentas? Questões filosóficas que acredito que só a Burra Cracia poderá responder...

domingo, 7 de março de 2010

A Cuca vai pegar: Crônicas do funcionalismo público I ou do buraco da sala de aula...

-Alô! Oi, boa tarde Seu Jonas, olha só, eu tenho problemas com a sala em que dou aula, primeiro eu tenho uma disciplina que acontece terça e quinta pela manhã, e vocês me colocaram terça numa sala e quinta em outra...
-
Ele logo me interrompe...
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-Professora, todos os professores estão na mesma situação e ninguém reclama!
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Respiro fundo, tento argumentar... 
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-Olha Seu Jonas, sala de aula, para mim, é um espaço onde professor e estudantes vão passar todo um semestre, então a gente cria ali o nosso espaço de compartilhamento, cada um acaba tendo seu lugar mais confortável, lado de sala, é muito mais que um espaço físico, etc...
-
-Professora, imagina se eu for fazer isso com todo mundo?
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Pois é, penso eu, imagina se ele vai se dar ao trabalho de perceber que as disciplinas que tem aula em dias diferentes poderiam ficar na mesma sala, pior foi ver que tinha sala sobrando quando a pessoa responsável pela organização das salas fez a distribuição, mas começo a perceber que ele nem sequer sabe o que é uma "sala de aula", e ainda que eu apelasse para Marc Augè e o seu lugar e não-lugar, ia adiantar...
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-Olha Seu Jonas, a sala de terça-feira é complicada, vocês adaptaram uma sala de professores, e enquanto estou em aula escuto toda a conversa da sala da administração, daí tenho que gritar para ser ouvida pelos alunos e vou acabar o semestre sem voz, não tem condições de dar aula assim, pois o tempo todo chegam pessoas para pedir informações, resolver problemas, e infelizmente interfere na dinâmica da minha aula... Eu sei que foi uma emergência, mas não tem condições...
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-Olha professora, a senhora fica reclamando, mas vem um monte de professor aqui me pedir um buraco qualquer para dar aula, e ficam felizes se conseguem...
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Diante do "buraco qualquer" já não escuto mais nada... Minha cabeça gira entre Reuni e a novidade da Universidade Nova... Entre dinheiro em meia, cueca, altos salários e regalias de quem 'habita' as torres gêmeas e as cuias de sentido oposto...  E os professores e estudantes da Universidade estão felizes com um "buraco qualquer" como sala de aula... Cruz credo! Desligo o telefone e começo a perceber que o "buraco" da educação vai ficando é cada vez mais embaixo...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Viagens... lugares... - Estação do Peru - Buenos Aires - Argentina


Dia de ir embora, eu tinha uma manhã para rodar tudo e fazer as últimas compras, um lugar não me saía da cabeça: a primeira estação de metrô da América Latina. Eu tinha que ir. Queria muito ver. Fica no início (ou final) da Av Mayo (lugar em que eu estava hospedada), na Praça da Casa Rosada. Desci as escadas e de repente me vi em outro tempo, como se a escada fosse um túnel que nos transportasse para outro tempo, ambiente, sei lá... A minha sensação era de estar nos filmes de faroeste que eu assistia quando criança... Nos trens antigos... Mas aquele era um metrô de 1913, com uma estação que eu acredito que continua em 1913... Enquanto esperava os olhos estavam atentos aos detalhes de madeira, a bilheteria... E o trem chegou, ou melhor,  o metrô, de madeira, com luminárias antigas e janelas abertas... Entrei, me imaginei com um longo vestido de tom claro, pequenos babados delicados, preso com um belo broche, sombrinha na mão, fazenddo uma longa viagem (duas paradas...) e indo ao encontro do mocinho que me esperava no final... E no final, cinco minutos depois de ter entrado no metrô, subi a escada e caí novamente no século XXI, e toda a sua "modernidade"... O amado? É ruim de alguém estar à minha espera... Fui pro hotel pegar as malas... A viagem no tempo foi perfeita para o fim do tour em Buenos Aires...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Saint-Valentin!

 

Há dois anos atrás descobri que o amor podia ser branco, e que podia ser de um azul intenso que apesar do frio, era quente. Descobri que o amor estava por ali, nos lugares escondidos nos mapas. O amor estava nas ruas, patinado em lagos congelados, prateando telhados, brincando de esconde-esconde, tingindo de vermelho supermercados, despencando em forma de estrelas, fazendo cócegas no nariz, adoçando o paladar em forma gelada ou quente de baunilha francesa, despejando seu encantamento nas estruturas sólidas das cidades... O amor me pegou de surpresa, com neve e desacertos certos. Com pressa me atirou às pessoas, aos lugares, às aventuras... Me fez falar línguas que eu não sabia... Há dois anos atrás, num dia de Saint-Valentin, manhã fria e azul, branca e feliz em todos os flocos, o amor me tomou de assalto... A falta de ar, o coração que se agita, os olhos que não param, as palavras que se atrapalham, a cara de boba... E quem se importa? O amor é construido por pequenas besteiras...

Foto: Detalhe do Musée des Beaux-arts de Montréal, 2008, février, après Saint-Valentin

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Crônica de eu...



Era ela mais uma vez. Sempre essa estranha dentro de mim, eu, a outra, tudo na mesma casca. Ela sempre volta quando menos preciso, quando começo a me reerguer ela vem, imperiosa, reclamar seu lugar. E como ela é forte...
Chegou e eu nem percebi, quando me dei conta já estava instalada. Atirou meus planos pela janela, e me atirou mais uma vez no vazio, a pensar que eu nada sou. Por que ela sente prazer com isso? E o que é mais intrigante neste sadismo, é que ela, ela sou eu...