terça-feira, 10 de agosto de 2010

Curta história de um romance que se delineia com o sete...


 Ela teve uma festa de aniversário de sete anos, um bolo gostoso e poucos amigos, parabéns com velinha a apagar. Ele nasceu no outro dia, chorava muito e era vermelho como todos os bebês que acabam de vir ao mundo. Ela tinha terminado a alfabetização e ia para um novo colégio. Ele era o mais novo de uma família de três mulheres. Eles tinham nascido na primavera...
Cresceram na mesma cidade, mas nunca se encontraram, cada um seguiu seu rumo em diferentes décadas de descobertas infanto-juvenis. Ela lia livros nas horas vagas. Ele vivia a trocar de camisas para ir às festas. Ela entrou na faculdade. Ele sempre tentava arranjar um jeito de sair da escola. Ela não faltava às aulas. Ele faltava aulas para jogar futebol. Ela namorou pouco. Ele namorou muito.  Ela era paquerada por homens mais velhos. Ele paquerava mulheres mais velhas. Ela conhecia a vida na teoria. Ele conhecia a vida na prática. Ela é sentimentalmente prática. Ele é sentimentalmente romântico. Ela fez uma dissertação. Ele fez um filho. Eles moraram quatro anos com alguém, eles se separaram de alguem, eles prosseguiram felizes com suas vidas...
No inevitável que sempre se esconde pelos dias que passam,  eles se encontraram num mês sete de um ano maior que isso, era verão acima da linha do equador. Ela passou sete dias na cidade. Ele  mora na cidade vizinha. Nesse dia, que passou de sete em data, mas que era sete na posição dos dias da semana, eles saíram para dançar. Ela deixou a cabeça no seu ombro. Ele segurou sua cintura. Ele a beijou. Ela correspondeu ao beijo. Ela não tinha os pés no chão. Ele tinha a cabeça nas nuvens. Eles descobriram, aos poucos, que havia uma primavera dentro deles enquanto bailavam como um casal de quase desconhecidos, mas já apaixonados.
A noite teimou em terminar. O dia chegou azul. Domingo de sol é dia de churrasco ou praia.  Domingo também termina depois de longos passeios. Domingo vem depois do sétimo dia da semana. Domingo é o primeiro dia da semana, mas pode ser o último dia de um encontro ou de uma viagem. Nas segundas-feiras muitas pessoas estão no aeroporto, muitos vôos partem levando pessoas para longe, para perto, separando e juntando casais apaixonados, amigos,  pais e mães e filhos, homens e mulheres de negócios. Aviões podem ser mágicos, pontes, abismos, espaços de convivência, aviões podem quase tudo. E eles? Eles criaram um romance no mundo mais terno de suas fantasias...

Nota: Picture:  sculpture at The Metropolitam Museum of Art - New York - EUA

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Viagens... lugares... - Visita ao Pouso da Palavra - Cachoeira - Bahia - Brasil



Ir ao espaço cultural "Pouso da Palavra", ainda que sem o dono das palavras pousadas por ali, soou como um encontro com as poesias que por ali voavam (ou pousavam - não é possível saber ao certo se pousam ou se voam... há um movimento contínuo de voos e pousos e pousos e voos e assim as letras seguem a brincar com quem aí está). 

A casa amarela (como a flor de Arabela)* continha um poeta, ou talvez , o poeta continha uma casa amarela... disso também não se sabe... O certo é que era ali uma das moradas do poeta Damário da Cruz. A casa  localizada em Cachoeira e que não poderia ter melhor localização: de costas para o rio (uma quadra), em frente à praça do fórum, vê a vida desfilar frente à sua porta! 

Na ausência prematura do poeta (não seriam eternos, os poetas?), as coisas estão intactas, no escritório, o telefone continua fora do gancho... As fotos  e as poesias espalhadas pela casa fazem troça, fazem carinho, fazem alegria, fazem o riso, a ânsia, o desejo, o festejo, a surpresa para quem passa por eles... Uma frase, um olhar, uma imagem... a casa é um convite para recitar, ainda que baixinho, palavras-poesias... Transito entre santos e orixás, santa e revólver,  radiola e cd, o moderno e o antigo, o sagrado e o profano, o mar e a cidade,  a luz e penumbra se equilibram no pequeno espaço...  O sol se adona da entrada da porta... Cosme e Damião saboreiam com olhar feliz suas guloseimas... São Jorge no meio da sala lança seu olhar por todos os lados...  Salve Jorge!... O jardim verdejante esconde surpresas! A chuva torna as cores mais vivas... Meu pé molhado festeja a descoberta dos objetos escondidos pelo caminho... Os olhos buscam os sem fins de detalhes que a casa esconde... Por entre as coisas que nos rodeiam, algumas traz saudades de infância: um taximetro, disco vinil, calendário antigo.... A casa é caixa de surpresa (e caixa de poesia)...

Saimos, eu, Licinha, Regi, Dôra, Rose, Raquel e Ana como visitas que acabaram de estar com velho (ou novo) amigo! Tem-se a certeza de que há um centro de cultura cada vez mais a se fincar, e a tristeza de que no momento a vida poética está suspensa no ar... Que caminho esse pássaro tomará? Quem sabe Arabela possa regar tal qual a flor, a casa de mesma cor? Mas se "Cada pássaro sabe a rota do retorno / Cada pássaro sabe a rota de si / Cada pássaro na rota sabe-se pássaro" a casa sabe muito bem para onde ir...

E nós fomos embora encantadas com tantas palavras pousadas, com  tantas imagens capturadas, com tanta presença do poeta no Pouso onde a imaginação voa...

E com o "Gran Finale", que se estende pela fachada da casa e brinca ao vento, Damário nos deixa sua breve despedida da vida ("que só vale a vida"):

Avise aos amigos
Que preparo o
último verso

A vida dura
menos que um poema

E no alvorecer mais próximo
Saio de cena

Sim, ele saiu de cena, mas o cenário do poeta continua ali, em Cachoeira, quase como se nada tivesse acontecido (não fosse o vazio na mesa de trabalho e o silêncio no lugar)... já não falei que os poetas são eternos?!


*Refiro-me ao poema Flor Amarela de Cecília Meireles

domingo, 1 de agosto de 2010

A Cuca vai pegar: Crônicas de vendas ou sobre o problema dos débitos e créditos...

Carteira de estudante e cartão do banco nas mãos, depois de muitos minutos na fila do cinema, enfim consigo chegar ao momento da compra minutos antes do inicio do filme...
-Boa tarde, você me dá um ingresso de meia-entrada para o filme "tal", na sessão hs:hs, e eu vou pagar no cartão de DËBITO!?
- Desculpe senhora, não entendi?!
-Um ingresso de meia-entrada para o filme "tal", na sessão hs:hs, vou pagar com cartão de DËBITO
-Ah
Uns três toques no teclado e ele me pergunta:
-Senhora a compra vai ser no DËBITO ou no CRËDITO
Nesse momento cai por terra a minha certeza de que quando falo cartão de DËBITO, significa DËBITO! Três anos num curso de contabilidade e as certezas vão embora em segundos... A cuca pegou!...Tento manter distante um ar de ranzinza que chega nesse exato momento, olho sem graça, tento um sorriso e repito pela terceira vez, forçando mais os lábios:
- No DËBITO!

Viagens... lugares... - Os primeiros minutos naquele lugar... - Aeroporto JFK de NY - Estados Unidos da América


       
     Tan tan ranran ran... tantanranranran... tatatatataratata... New York... New York!!!!!!! O que fazer quando Frank Sinatra não sai da cabeça? Cantarolar!! Assim, desci do avião com mochila e malinha de rodinha rodopiando e cantando a música que anunciava uma chegada em cidade tão esperada!! Sim! Espalhem a notícia, eu estou chegando na cidade que nunca dorme!!!

Ali mesmo no JFK fui me perdendo por entre as pinturas das suas paredes que mostravam a cidade nas várias percepções dos artistas... E eu com uma felicidade incontida de estar na cidade em que eu só vivia pelos filmes, bebia as suas cores, sabores, odores, filtrava as pessoas, as estruturas, os aviões: eu queria registrar tudo com meus olhos bem abertos e contentes!... O trajeto até o resto da bagagem é longo, eu não ligo, quero ficar ali perambulando pelo aeroporto antes de ver a cidade... O aeroporto sempre nos traz a primeira impressão da cidade, ainda que seja sempre uma estrutura próxima de qualquer outro aeroporto de qualquer cidade, mas ao mesmo tempo cada um imprime seu charme e suas particularidades, o que o fazem ter personalidade...

O sobrinho de Marynha já nos aguardava e rapidamente nos levou para fora, e no trajeto de mais de meia hora até o hotel pude, gradativamente, chegar à cidade. Meus olhos não podiam conter o riso de saber que aquele era o meu filme. E foi isso NY do início a fim: um filme!  Romance, aventura, drama, comédia, ação... Foram muitos os gêneros vividos...  E se NY é uma grande maçã, posso dizer que a mordi com vontade, e pude aproveitar do seu caldo suculento e doce nos sete dias em que ali estive!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Viagens... lugares... - Inconfidente em Ouro Preto - Minas Gerais - Brasil



Era janeiro, mas senti frio, a chuva caía noite afora deixando a névoa como presente para o amanhecer dos olhos e da cidade. Levei muito tempo salivando pelo momento de caminhar por onde muitos artistas que tenho afeto caminharam. De repente, estava ali com os sonhos que insistiam em gritar, o ônibus chegou tranquilo, do trajeto desde Juiz de Fora, fui traçando o caminho da Estrada Real e seus marcos que perpetuam a história da trilha. A placa com indicação de Itabira me perturbou, e Carlos suavemente preencheu meu pensamento de poesia. Não será dessa vez meu caro poeta que conhecerei sua terra tão apaixonadamente escrita e descrita por você. Isso me dói.

Mas a meta agora era outra, a parada era em outra promessa de tenra juventude, e assim, chego à cidade desejada: Ouro Preto saía do papel e se materializava em minha frente. Tive alegria ao caminhar pelas ruas e ladeiras, olhar emocionada as suas igrejas, museus, construções grandes, imperiosas. Tudo era motivo de encanto: sair nas ruas era motivo de penetrar na história que eu acredito ainda estar ali, entranhada nas pedras pontiagudas das ruas. Caminhando sozinha pela noite, com lenço na cabeça para me proteger da chuva fina e frio, desci ladeiras e passeei por ruas vazias sendo escondida pela penumbra noturna, me senti uma inconfidente nas ruas de Ouro Preto. Ali, evoquei a força e amor de Marília e de Dirceu, a rebeldia e coragem de Joaquim José da Silva Xavier, a arte sublime de Antônio Francisco Lisboa... Pude sentir cada um deles e dos outros que andavam com eles. Entrar em cada casa da história de Minas, da história do Brasil, me fez sentir mais e mais presa a elas. Quatro dias de inconfidente e confidente de uma história de amor antiga: a adolescência sonhando com os versos de Dirceu, da juventude perdida nas formas barroca. Sim Dirceu, é certo que em relação a Ouro Preto, assim como na tão amada Marília, "em seu semblante / as graças moram...". Os chocolates acalentavam o frio e as pernas doloridas das ladeiras subidas. Fui embora no quarto dia, embriagada de inocentes sentidos resgatados de minha história, hora perdidos no caminho do presente, mas que ali, insistiam em me atirar no sonho que se concretizava.

E pedindo a Dirceu mais palavras, pois as minhas perdi pela paixão de ali estar, só posso dizer que  "Hoje em suspiros / o canto mudo: / Assim. Marília./ Se acaba tudo!"

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Viagens... lugares... - Amanhecer na Asa Norte - Brasília - Brasil


Acordando em Brasília, encharcada de cor-de-rosa, alaranjados e alguns azuis. Lembrei do meu pé na terra vermelha enquanto caminhava pelas ruas da cidade... Brasília tem tom quente do início ao fim do dia. No Rio Paranoá o dourado da luz se aninha, morada de minutos, tranquilo... Permito me perder pela imagem, início de dia assim é presente que se recebe com largo sorriso. Respiro e me sinto conectado a tudo! Me permito evocar Carlos, meu caríssimo poeta de todas as horas, e dizer entre suspiros: "Eita vida besta meu deus..."

sábado, 3 de abril de 2010

Viagens... lugares... - Malecon - Havana - Cuba

      
A noite cai aos poucos, é inverno, mas não se nota... o céu azul vai tomando os tons de rosa para si. Passeio com minha máquina fotográfica na ânsia de capturar todos os momentos possíveis,  a Avenida Malecon está cheia de pessoas, casais, crianças e pais, cubanos e turistas, todos passeiam ao seu pôr-do-sol. De repente, uma música vem de dentro de uma casa bonita, um conservatório? Não sei, mas a entrada é gratuita... É o final da apresentação e como se adivinhassem começam a tocar uma música brasileira: bossa nova! Me sinto distante, me sinto em casa, me sinto ali... A orquestra termina de tocar...

Saio por entre as pessoas que estavam na apresentação, volto ao Malecon, a noite, enfim, escureceu. Continuo o passeio pela velha Havana, com as casas antigas a me espreitar pela esquerda e o Malecon a me refrescar pela direita, só se sabe que é inverno por causa do mar agitado e de certo tom frio no vento... brinco de pega-pega com as ondas que escapam do muro... Há dias em que elas podem ser bastante violentas, banham as ruas da cidade... Do outro lado, casas mal conservadas apresentam seu charme, a cidade é romântica, é exótica, é poética, é melodiosa e é tudo ao mesmo tempo. 

O hotel é em frente ao Malecon e do quarto posso ver seu movimento, posso acordar com sua música e ver seus pescadores se jogarem ao acaso: seria dia de peixe? Vejo ao longe a alegria se espalhar pelas charretes que passam pela Avenida, pelos casais que andam de mãos dadas, pelos pais que passeiam com seus filhos,  pelos turistas que visitam Havana pela primeira, segunda, terceira ou mais vezes, e vejo a alegria se espalhar pela aprendiz de fotógrafa que tenta apreender na tela o fugaz...